Á Boleia
-Não percebo porquê que não lhe dizes.
-Dizer-lhe o quê e a quem? - disse o Alves
-À Ana palerma. E sabes bem do que é que eu estou a falar.
-Não sei, não.
Fogo! Se o Alves fosse mais lento andava para trás! Quando é que ele e a Ana vão admitir que gostam um do outro? Parecem uns putos a ignorarem-se.
-A sério que não sei como é ainda não vos tranquei na despensa.
-Eu não gosto da Ana.
-Ahh, agora já sabes de que é que eu estou a falar! Já te disse que mentes muito mal?!
-Eu não estou a mentir.
-Não que ideia, estás apenas a omitir certas verdades.
-Mas onde é que tu foste buscar a ideia de que eu gosto dela?
-Deixa cá pensar..... Não para de olhar para ela, estás sempre a verificar se ela está bem e não fazes mais nada do que falar nela.
-Isso é porque sou amigo dela é natural que me preocupe.
-Sim, claro e eu sou o Pai Natal.
-Pai Natal não sei, mas davas uma Mãe Natal jeitosa.
-Dá-me uma boa razão para não te bater...
-Tens que ir apanhar o autocarro para a Universidade.
-Ok, isso serve. Mas não me sonhes que eu me esqueço da conversa, vais admitir que gostas da Alves nem que tenha que te torturar para admitires.
-Desanda daqui antes que leves.
-Não serias capaz de bater numa gaja.
-É a tua sorte...
Raio do entorse, se não fosse por ele podia ir para a Universidade de carro. Não que tenha alguma coisa contra os autocarros, mas não dá jeito andar de muletas no autocarro.
-Daniela!
O que é que raio é que o Ricardo faz vestido à civil? Bem nada contra, na realidade não tenho mesmo nada contra ele fica podre de bom assim.
-Olá Gomes. O que fazes por aqui vestido assim?
-Suponho que o mesmo que tu. Vou para a Universidade.
Ah claro, ele também está em medicina.
-Ah ok. - disse eu, porque sinceramente foi a única coisa de que me lembrei.
-Queres boleia?
-Para onde?
-Para a universidade, suponho que não podes conduzir por isso se quiseres boleia...
Se eu fosse mais lerda não sei o que é faria...... Para onde é que eu queria que fosse? Para a praia? Se ele não fosse tão giro isto não acontecia!
-Ah, pois. Sim, pode ser.
-Está bem, fica aí que eu vou buscar o meu carro.
-Ok.
Ele deve ter ficado a pensar que sou uma idiota, ou então lerda. Pelo santo amor de Deus parecia a Ana a falar com o Alves. Exceptuando que eu não gosto do Ricardo. Oh meu Deus! Ele tem um Volvo! Igual ao que eu andei a implorar aos meus pais para me comprarem!
-Já te disse que tens bom gosto? - disse eu ao entrar no carro.
-Não, obrigado. Mas posso porquê?
-Gosto do teu carro. Andei a chatear os meus pais para me comprar um mas eles disserem que não.
-E disseram-te porquê?
-Sim. Como os meus irmãos não tiveram um carro novo como primeiro carro eu também não posso ter.
-Parece-me justo.
-Não disse que não era. É apenas o que faz ser a mais nova.
-Quantos irmãos é que tens?
-Quatro e tu?
-Quatro?! Só um.
-Porquê que toda a gente reage assim? Não são assim tantos.
-Devia ser uma rebaldaria autêntica em tua casa.
-Nem tu imaginas o quanto... Mais velho ou mais novo?
-Mais velho ou novo o quê?
-O teu irmão.
-Mais novo. É da tua idade. O que é que os teus pais fazem?
-São médicos. E os teus?
-O meu pai é militar e a minha mãe também é médica.
-Vivias aonde?
-No Porto e tu?
-Em Leiria. Porquê que vieste para a Academia.
-Porque o meu queria que eu fosse militar e eu queria ser médico. Então juntei o útil ao agradável. E tu?
Bem tinha sido eu a dar-lhe a deixa, mas verdadeiramente não me apetecia responder. Não quando ia a caminho da universidade, não me fazia lá muito bem pensar em desenhar quando ia ver as tripas de alguém.
-É uma longa história....
-A avaliar pelo trânsito que está acho que tens tempo.
Eu sabia que tinha tempo, não queria era pensar nisso especialmente quando não podia correr.
-Não é longa é mais complicada.
-Se não quiseres dizer estás à vontade.
Eu sabia disso mas não me ia ficar a sentir bem se não lhe contasse, afinal ele também não devia querer ser militar ao inicio.
-É parecida com a tua, mas ligeiramente mais extrema.
-Mais extrema?! - disse o Ricardo incrédulo
-Sim, eu queria ser arquitecta, mas os meus pais não acharam muita piada a ter uma artista na família e proibiram-me de ir para artes. E como eu não queria ir para a universidade concorri para a Academia.
-Porquê que te lembraste da academia? Podias ter ido para fora.
-Vi um folheto na minha escola sobre isso e como correr me faz esquecer de tudo achei que me ia fazer bem....
-Era isso que estavas a fazer quando te conheci?
-Sim, os meus pais tinham-me ligado e eu estava enervada.
-Abençoado nervosismo...
-Desculpa?!
-Se não te tivesses enervado não te tinha conhecido.
Visto desse maneira, até o entorse era um santo porque graças a ele já tinha andado ao colo do Ricardo umas 3 vezes, e as muletas estavam a proporcionar-me uma boa desculpa para estar mais tempo com ele.
-Tens razão. Foi uma "enervação" com um resultado muito positivo.
-"Enervação"? Agrada-me a palavra.
-É, a que admitir que tem classe.
-Vais almoçar à academia?
-Não, é outra vez o santo do puré. Vou almoçar com uns colegas.
-Podias ter avisado não achas?
-não sabes ver a ementa?! Está afixada nas casernas.
-Vou ver se me lembro disso no futuro. Como é que voltas?
-Se não tiver autocarro peço boleia.
-Dá-me o teu telemóvel.
-Toma. Para que é que o queres?
-Para te dar o meu número. Se precisares de boleia telefona.
-Ah ok. Obrigada. Mas não se mexe no telemóvel enquanto se conduz.
-estamos parados no semáforo!
-Continuas a estar ao volante.
-Pareces a minha mãe. Já está. Podes parar com o sermão.
-Não era um sermão. Se fosse já tinha adormecido.
-Se tu o dizes...
(5 minutos depois)
-Chegámos! - disse o Ricardo ao estacionar no parque da universidade.
-Obrigada pela boleia.
-Não tens de quê.
-Boa aula. Diverte-te.
-Para ti também.
-Oh sim vou-me divertir à brava. Dissecar pessoal é o meu passatempo favorito.
-Não duvido disso.
-Obrigadinha pela consideração.
-Não é preciso agradeceres.
-Daniela! - gritou alguém
-Bem parece que é para ti. A gente vê-se por aí.
-Ok.
-Preciso de falar contigo - disse a Inês, uma colega da minha turma
-Eras tu que estavas a berrar? Xiça tens uns bons pulmões!
-Que piadinha. Quem é que era o pão?
-O rapaz? É o Ricardo.
-De onde é que tu conheces uma coisa daquelas?
-De onde é que te parece?
-Academia?
-Claro! Diz lá o que é que queres?
-Eu não te quero nada, era só para saber quem é que era o deus grego.
-Pelo santo amor de deus ele tem nome, essa do deus e as restantes variações já me estão a tirar do sério.
-Pronto está bem. vamos lá para a aula antes que me mates por dizer que a tu paixão assolapada é um deus grego.
-Eu juro que se não te calas te enveneno com morfina!
-Se isso me fizer faltar ao teste de química por mim estás à vontade.